Análise · Tomas Licame

Bandersnatch e o livre-arbítrio cristão: temos um fim já pré-determinado?

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Tomas Licame

Escrito ao som de: Smooth Jazz Trumpet Lounge

 

A série Black Mirror sempre quebra paradigmas e joga com a mente dos espectadores. Desde a primeira temporada, em 2011, até o filme Bandersnatch, lançado em 28 de dezembro, os produtores têm se superado na ação de imersão do público dentro da obra, sendo este mais recente o ponto alto desse trabalho. O filme foi roteirizado por Charlie Brooker e dirigido por David Slade e rompe com as obras tradicionais por conta de seu caráter interativo.

Na minha opinião, nunca houve algo que pudesse por em reavaliação a tão famosa frase “nossa, isso é tão Black Mirror” quanto essa obra, que talvez seja uma das maiores empreitadas da plataforma nos últimos anos. As produções da Netflix têm tomado o mercado de filmes mundial e batido de frente com o tradicional cinema Hollywoodiano.

Esse texto não é recomendado para aqueles que ainda não assistiram Banderstach. É um bom aviso, já que para entender as associações que farei aqui é necessário ter vivido essa experiência como um todo. Em Bandersnatch o espectador tem a capacidade, não, o poder de escolher as ações da vida do personagem principal, Stefan Butler, e como ele irá se relacionar com as pessoas ao seu redor. O público se torna uma espécie de diretor. Existem adendos quanto a isso, mas esse não é objetivo desse texto, deixemos isso para um crítico da sétima arte.

O espectador é peça fundamental, considerando que assume o papel de uma espécie de senhor do destino, que guia o Stefan a um caminho que ele talvez não quisesse seguir, mas como não tem escolha vai, porque é como uma marionete. Aqui começo minha análise. Como eu disse, não é uma crítica ou resenha, mas sim um ensaio sobre a falsa liberdade que nos é apresentada enquanto estamos imersos nessa experiência.

O que é a liberdade? Antes de conceituarmos o termo ‘falsa liberdade’, responder a essa pergunta é essencial. Somos guiados por uma visão de liberdade baseada no ensinamento judaico-cristão que sustenta, em seus ensinamentos, o livre arbítrio. Nossa visão atual de livre arbítrio, em pratos rasos, é a de que somos totalmente livres e que isso nos permite ser e viver de toda e qualquer forma e que tudo nos é permitido. Porém, a sociedade nos impõe regras para viver um estado de bem-estar social, garantindo que nenhum ser humano cause mal a outro, e caso aconteça, que o malfeitor seja punido.

Poxa, parece que nosso livre arbítrio já não é tão livre assim, considerando essa obrigação de seguir regras – que dizem ser limites mantedores da liberdade, o que soa muito irônico. Disso podemos tirar uma conclusão: o livre arbítrio é funcional apenas nas ideias – ou nas escrituras cristãs – mas é a base para a liberdade humana no mundo ocidental.

Submergindo um pouco mais podemos concluir que a liberdade presenteada pelo ser criador, o Deus que projetou e que comanda tudo o que acontece no mundo, é restrita. De acordo com a Bíblia, Ele delimita caminhos para que sigamos o melhor, ou seja, o que Ele escolheu. A partir dessa teoria, podemos entender que é como se vivêssemos em um labirinto e que quando pegamos o caminho ‘errado’ somos redirecionados para o caminho ‘certo’. Está aí outra evidência que a liberdade divina também não é tão livre assim, já que junto com as regras sociais propostas pelas sociedades, dão à vida do indivíduo uma autodeterminação.

Conceituando, portanto, a falsa liberdade é quando tomamos uma decisão achando que é uma escolha e que com ela somos autônomos e independentes. Porém, ela gera resultados pré-determinados por algo ou alguém, que controla o timão do nosso barco. Talvez não um deus, mas uma sociedade, uma religião, algo que tenha tanto poder sobre nós e que, como estamos tão acostumados a tais opressões, não tomemos consciência.

Certo, e como encaixamos todas essas explicações e conceitos na análise do filme Black Mirror: Bandersnatch? É simples. Ao assistir a obra, achamos que estamos controlando o personagem, mas a verdade é que estamos caminhando por veredas já traçadas pela Netflix que, mesmo que nos dê a ‘possibilidade’ de alcançarmos cincos finais oficiais, nos condiciona a um desfecho “canônico”, escrito e definido.

Assim, meu recado para você, leitor, é: pare de achar que tudo ao seu redor, o que você tem ou onde você chegou está ligado a uma escolha tomada por você ou que são méritos por seus esforços. Vivemos para seguir ordens externas, maiores e com raízes bem mais profundas. Mesmo que você não acredite em forças sobrenaturais, há forças muito reais que nos obrigam a estar onde estamos.

É como uma espécie de determinismo. Para finalizar quero deixar como indicação um vídeo do canal Meteoro Brasil em que eles falam sobre o livre arbítrio, o determinismo Newtoniano e o princípio da incerteza de Werner Heisenberg, tudo isso ligado ao anime One Piece, e não a Bandersnatch, mas é valido assistir, para complementar a tese trabalhada aqui.

 

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