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O menino que descobriu o vento: crítica ao governo, às desigualdades sociais e até à democracia

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Filme mostra como um menino pobremente educado conseguiu fazer o que o governo não quis: salvar uma aldeia

Há poucas semanas, a Netflix disponibilizou em sua plataforma o filme ‘O menino que descobriu o vento’ [originalmente The boy who harnessed the wind). A produção britânica, é o primeiro filme dirigido por Chiwetel Ejiofor – ator premiado e lembrado por filmes como 12 anos de escravidão [12 Years a Slave] (2013) pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Ator em 2014 – que também atua como Trywell Kamkuamba, o pai do personagem principal.

‘O menino que descobriu o vento’ é um filme baseado em fatos reais, traz um final feliz, mas junto, embora sem contextualizações, uma profunda crítica ao governo do Malawi, à desigualdade social – que toca questões econômicas e educacionais – e até à democracia.

William Kamkuamba (Maxwell Simba) cresceu em uma pequena comunidade na República do Malawi – país na região Oriental do continente Africano -, cuja economia e a sobrevivência era baseada no plantio e, portanto, se eles teriam o que comer ou até dinheiro para pagar a educação dos filhos estava condicionado a respostas do sol, da chuva e do quanto arrecadariam com a colheita.

Quando o avô do menino morreu, todas as suas terras foram deixadas para o filho mais velho, Jeremiah, e nada para Trywell – interpretado por Chiwetel – pai do pequeno Will. Passado um tempo, o governo se oferece para comprar as terras para usar a madeira. Jeremiah concorda. O corte das árvores afeta o clima do lugar e a terra do plantio, levando a aldeia, já pobre, à miséria.

Aqui entra a crítica mais acentuada ao governo. Com a seca, apenas o governo vendia os grãos, racionados e aos preços que eles queriam e o povo começou a perecer de fome. Com isso, o pânico se alastrou, muitas famílias começaram a se mudar para o norte, pessoas começaram a saquear a casa umas das outras e gastar todas as suas economias comprando grãos aos preços absurdos do governo.

No vilarejo, para estudar na única escola da região era preciso pagar. O pai de William pagou a matrícula, mas como não conseguiu pagar a mensalidade, o menino teve de parar de frequentar as aulas. Porém, ele tinha muito interesse por ciências e conseguiu continuar frequentando a biblioteca com uma ajuda – meio chantegeada – de um dos professores. Para salvar a aldeia, ele tem a ideia de transformar a energia do vento em eletricidade para ligar a bomba de água que encontrou no ferro velho e, assim, conseguir que o plantio não dependesse apenas do bom humor do clima. Porém, com todo esse cenário de fundo acontecendo, a única escola da região também fecha.

Empenhado e com a ajuda de alguns amigos, o pequeno Kamkuamba junta madeiras, fios e ferros para construir o moinho e salvar a comunidade da seca e da fome. Ele já tinha uma pré-disposição para as ciências. Tanto, que uma das primeiras cenas do filme é ele consertando um radinho à pilha. Depois, juntando várias baterias com pouca carga, conseguiu fazer outro rádio funcionar.

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Confesso que assistindo eu fiquei com muita raiva do pai do menino. Ele é rude, nunca acredita na capacidade do filho, grita com ele, não deixa ele alimentar o cachorro e, no fim, não quer dar a sua bicicleta para o menino conseguir construir algo que beneficiaria toda a comunidade. A mãe é a que tem visão, que quer que os filhos estudem, tenham um futuro grande e acredita que o filho tem potencial para grandes coisas.

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Mas no final, entendemos de quem temos que realmente ter raiva: do Estado que nada fez em favor do povo quando avisados que a fome estava chegando, ao contrário, ainda espancaram o líder local, que faleceu meses após. Como crítica à democracia, Trywell diz, no início, uma fala emblemática e que é trabalhada ao longo do filme: “A democracia é igual mandioca importada, apodrece rápido”.

O filme é recomendado para todos aqueles que estão dispostos a enxergar uma realidade invisibilizada. Embora tenha um “Q” inspirador, ‘O menino que descobriu o vento’ também fala muito sobre negligência, abandono, ganância e o capitalismo que mede o valor da vida de milhares de pessoas pelo dinheiro que elas têm. Ele mostra como um menino pobremente educado conseguiu fazer o que o governo não fez: salvar a vida de dezenas de pessoas.

 

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